Nós vamos precisar de muita criatividade para enfrentar as turbulências da economia”.
” Nosso pessoal de vendas precisa ser mais criativo”.
Estas e outras frases, ouvidas em nossos contatos com empresas de diversos setores, exemplificam a preocupação com algo em que todos nós acreditamos e que todos, igualmente, não sabemos muito bem como praticar: a criatividade.
Cantada em prosa e verso como a grande saída para quaisquer dificuldades, a criatividade é difícil de ser objetivada, mesmo porque quem a pratica de fato não tem necessidade nem paciência para explicar ou justificar sua origem.
De qualquer forma, uma coisa é certa: a criatividade é irmã siamesa da mudança. Uma não sobrevive sem a outra. O “motor de arranque” da criatividade é a disposição natural para alterar; o inconformismo, a propensão para o novo e o gosto pelo inédito. Por esse raciocínio é possível começar a responder a questão colocada no início deste artigo.
É difícil ser criativo porque as pessoas tendem a não provocar mudanças. E só é criativo quem provoca mudanças. Roger von Oech, no seu livro Um toque na cuca, diz que só quem gosta de mudança é bebê molhado. Isso explica, em parte, a dificuldade de as pessoas explorarem seu potencial criativo: antes é necessário não ter medo de mudar. Em seguida, vêm os usos e costumes que estão arraigados em nossa educação e que criam verdadeiros antolhos em nossa percepção. Para ser criativo é necessário desaprender tudo que está armazenado em nosso porão de verdades definitivas e passar a olhar as coisas ao nosso redor com os óculos de uma criança que está sempre perguntando o porquê de tudo.
Perceber a realidade de uma forma não usual é outro elemento fundamental do processo criativo. Um livro alemão do começo do século conta que há muito tempo um adolescente procurou um rabino, querendo converter-se ao judaísmo, já que havia descoberto que todos os judeus eram inteligentes, bons empresários e grandes negociantes. O rabino tenta explicar que não é assim, mas diante da insistência do garoto, diz que se respondesse a uma das quatro perguntas que faria, aí sim, poderia lhe ensinar o Talmud.
” Dois operários judeus – começa o rabino – estão limpando uma chaminé e caem dentro dela. Um sai limpo e o outro sujo. Qual dos dois irá se lavar?” O garoto responde que, naturalmente, irá se lavar o que está sujo. O rabino diz que está errado, já que, do ponto de vista da realidade, o que ocorre é que o que está sujo olha o que está limpo e pensa que ele também não se sujou, ao passo que o que está limpo, vendo seu companheiro sujo, imagina que ele também se sujou e vai se lavar.
Em seguida, o rabino faz a mesma pergunta: “Qual deles vai se lavar?” “O que sai limpo”, diz rapidamente o garoto. “Errou outra vez – diz o rabino – porque, do ponto de vista da verdade, o que está sujo olha a si mesmo, e, ao ver-se sujo, vai se lavar”.
Pela terceira vez o rabino faz mesma pergunta e o garoto, já desconcertado, tenta uma resposta: “De uma vez irá se lavar o que está limpo, e da outra vez, o que está sujo”.
” Equivocou-se novamente – reflete o rabino – porque do ponto de vista metafísico é impossível que os dois caiam dentro de uma chaminé e apenas um fique sujo. Logo a pergunta é absurda”.
Na quarta e última repetição da mesma pergunta, o garoto, um tanto irritado, responde que, do ponto de vista da realidade, irá lavar-se um; do ponto de vista da verdade, o outro; e do ponto de vista da metafísica, a pergunta é absurda.
O rabino olha para o menino e diz que não poderá lhe ensinar o Talmud: porque ele não havia entendido absolutamente nada. “O que você nunca verá – afirmou – são dois judeus operários…”
Isto é criatividade: diante de um problema fugir do óbvio e procurar respostas não usuais. Por isso, é tão difícil ser criativo. Mas não impossível! Se você quiser, você pode.
(Dorival Donadão. Consultor de Empresas.
(Publicado n’O Estado de S. Paulo. Caderno de Empresas, 28 set. 1991)